sem pulso

o poeta sempre escreve no escuro
as palavras estão na ponta dos dedos
[um skatista passa na avenida
posso ouvir o barulho atravessando a noite
e o poeta está sempre fugindo]
uma chuva de nuvens abertas
fecha o dia que segue em frente
uma recorrência que não se justifica
querer nascer querer morrer
o nome que sumiu da página
sobrevive no escuro dos olhos
ler poetas em tempos de terrorismos
chorando sozinhos no meio da noite
uma recorrência que se justifica
o luto sem morte de uma palavra




[a solidão é tudo que está em volta]
mas esqueci o lápis que marca o limite
de onde nascem as conchas
e de onde brotam as pedras
a Júlia gosta do som das conchas
e de como elas choram no espaço em branco
olhar em volta é a parte difícil
mas não há para onde não olhar
tudo parece suspenso e o balão ainda está lá
porque há manhãs que nunca chegam
e o silêncio se repete, repete a luz e a cena
porque nos deixamos cortar




Alice me disse

compro menos livros agora
todos que eu desejava
estão ao lado da cama
não há ausência
em não pensar em nada
há um poema se abrindo na minha frente
dentro de todos os livros fechados
Alice me diz de baleias e leões
baleias que brotam do chão
um enorme rabo de baleia
[fugir com ela]
o leão atrás da porta
um passo em falso e ele acorda
às vezes sonho com leões que me perseguem
eu, no topo, sempre inalcançável
a fuga do irracional, diz o terapeuta
fugir num sonho e achar o poema
a pena no poema tem mira e não acerta

Não estou preparada para a morte. Não a minha morte. Para ela me preparo todos os dias. Saio correndo, à espera de tropeçar numa pedra, bater a cabeça no meio-fio, naquele lugar da cabeça onde tudo é fatal. Ando de bicicleta, defeituosa nos freios, e desço um enorme morro esburacado. Atravesso sem olhar para os lados. Abraço estranhos. Busco a morte, distraidamente, mas ela sempre me escapa. Para a minha morte me preparo como se passasse um café amargo (que nunca bebo, pois não gosto de café).
Não estou preparada para a morte dos poetas, para a morte das folhas e dos bichos de estimação. Não estou preparada para a morte de quem dorme do meu lado. De quem me sorri do ônibus e atravessa a rua, sempre atento. De quem toma um sorvete e me oferece um pouquinho. Não estou preparada para a morte que não depende de mim. E estou sempre me despedindo.

é como se



tivesse esse mar aberto rasgando o peito
e a noite na luz da chuva na minha janela
e eu só queria que você passasse na avenida
molhasse os pés naquela poça ensolarada
e pedisse para trocar os sapatos aqui no quarto

*

[fica mais leve o peso do meu coração]
quando você sorri como se não soubesse
a mágoa que me corta o riso no meio
daquela frase

embora

então , quando eu tiver ido, ficarão as flores para você cuidar não saberá qual foi a última vez em que as reguei o tempo de cada uma seu br...