Quanto desejo de chuvas
E de rebrotos
E de renovos
E de ombros nus
E de amoras
Sobre as raízes descobertas!
Manoel de Barros
É preciso começar dizendo do não entendimento que tenho de signos e mapas e deuses. Muito ou pouco se perde numa leitura que já começa assim. O livro da Júlia de Carvalho Hansen quer ver e quer que vejamos, que aprendamos a ver o poder ver. Ver é privilégio dos que param, em seu próprio dom e ritmo, e olham como formigas que tateiam palavras, no branco do chão da página.
Como o solitário de Manoel, é preciso fazer uma curva diante das flores, das plantas e se deixar levar e se elevar nas linhas de Seiva veneno ou fruto (2016). Ao mesmo tempo em que o olhar se volta para dentro da terra e para o que dela brota, há um mergulho por águas e fogos, há um sentido em direção ao céu. Tudo isso num jogo de ver e desver, de visível e invisível: e tudo aquilo que é invisível em você / é tragado (invisivelmente) / para o buraco negro.
Para ver é necessário luz, embora a gente saiba que não se impede o anoitecer. Ainda de dentro da noite, sondando na confusão o que desconhecemos, a voz poética, visionária e guia, abre os caminhos rochosos, nos mostrando que palavras abrem portas. Palavras abrem portas, abrem nossos olhos às raízes que o outro vê e cultiva. Ser seiva, aquilo que alimenta e dá vida, palavra que comemos como frutas doces. Poder ser veneno, não retirar as ervas daninhas.