Um poema de Olga Savary

Olga parece ter nos observado no prazer da tarde, no gesto simples de chupar laranjas.
Nos aproximamos pela palavra, corações abraçados num mesmo desejo. Leio este poema e o faço meu, revelador de minha própria existência:


QUERO APENAS

Além de mim, quero apenas
essa tranqüilidade de campos de flores
e este gesto impreciso
recompondo a infância.
Além de mim
- e entre mim e meu deserto -
quero apenas silêncio,
cúmplice absoluto de meu verso,
tecendo a teia do vestígio
com cuidado de aranha.
- Olga Savary

existirmos:

a pair of shoes, Van Gogh

o corpo imundo caindo
não se parece com as flores
de um ipê rosa no outono.

a calçada é um poço
de relva empedrada
pesando a chuva,
este suor no jardim
de trânsitos cegos.

o egoísmo ignora
a identidade do homem
sua barba de algodão,
vassoura sujando o cimento

pele portando a tragédia
de sua biografia.

signifique este homem
pela pena de si mesmo.

existe este homem acima da terra?

silenciosamente o seu rosto
assume a natureza
do sapato desgastado.

olhos em guerrilha

I

dos olhos

fantasmas cansados
em solidária companhia.
incorporam-se à boca, à beira do barulho.

repetem, noite adentro, a fumaça
como uma cauda ausente de forma.
num esforço de pedra,
resistem com armas de nuvens.

II

da guerra

o despertador da guerra obriga um lado
mínimo relâmpago caindo
em sílabas nas pegadas e bocas .
estoura em segundos
feito a merda que sai.

III

do corpo

carrega os olhos soterrados nas pálpebras,
agora cegos, acumulam memórias.


tutorial

quando se formou
em maquiagem
não sabia
que passaria os dias
colorindo outros rostos
e apagando o seu.

floriografia

 tentei ler as flores que trazia nas mãos mas tudo o que vi foram ramos secos de um tempo que já passou *