Aliança

| Julia de Carvalho Hansen |

O meu garoto não é alto
mas as suas mãos compridas
tem tal delicadeza
com que precisão
alcançam os vagalumes

do meu espírito intranquilo
entre o búfalo e a borboleta
estou precisamente neste estado
em que as larvas não arrebentam
nem as cobras trocam a pele à toa.

Vou deixando as coisas pra trás
embora seja impossível soltar
meu garoto não é bem meu
o tempo todo ele observa
o crescimento das samambaias

a mesma cordialidade com que ele observa
o inesgotável afeto dos animais domésticos
também é um mistério pra mim
a sua capacidade de só cultivar mistérios

sem códigos, quilometragem ou mesuras
meu garoto - pois eu te sei, vem
e diz assim pra mim
quero você.


Ser seiva, veneno ou fruto


Quanto desejo de chuvas
E de rebrotos
E de renovos 
E de ombros nus
E de amoras 
Sobre as raízes descobertas!
Manoel de Barros

É preciso começar dizendo do não entendimento que tenho de signos e mapas e deuses. Muito ou pouco se perde numa leitura que já começa assim. O livro da Júlia de Carvalho Hansen quer ver e quer que vejamos, que aprendamos a ver o poder ver. Ver é privilégio dos que param, em seu próprio dom e ritmo, e olham como formigas que tateiam palavras, no branco do chão da página. 
Como o solitário de Manoel, é preciso fazer uma curva diante das flores, das plantas e se deixar levar e se elevar nas linhas de Seiva veneno ou fruto (2016). Ao mesmo tempo em que o olhar se volta para dentro da terra e para o que dela brota, há um mergulho por águas e fogos, há um sentido em direção ao céu. Tudo isso num jogo de ver e desver, de visível e invisível: e tudo aquilo que é invisível em você / é tragado (invisivelmente) / para o buraco negro. 
Para ver é necessário luz, embora a gente saiba que não se impede o anoitecer. Ainda de dentro da noite, sondando na confusão o que desconhecemos, a voz poética,  visionária  e guia, abre os caminhos rochosos, nos mostrando que palavras abrem portas. Palavras abrem portas, abrem nossos olhos às raízes que o outro vê e cultiva. Ser seiva, aquilo que alimenta e dá vida, palavra que comemos como frutas doces. Poder ser veneno, não retirar as ervas daninhas. 
Há força e fluidez nos poemas de Júlia, há sangue morte e queda. Há um frescor de musgos na boca da terra. 

foto do facebook da Júlia

floriografia

 tentei ler as flores que trazia nas mãos mas tudo o que vi foram ramos secos de um tempo que já passou *